"É estranho para mim, não sei ao certo como começar ou por onde devo, mas queria que soubesse que seria incrível eu poder voltar no tempo e corrigir certos detalhes. Mas ao mesmo tempo creio que isso me ajudou a ser quem sou hoje. Irônico alguém querer os dois lados da moeda ao mesmo tempo, mas eu sou assim. Alias sinceramente preferiria mesmo nunca o ter conhecido."
Com o passar do tempo o que parecia estranho se tornou natural, e quando menos percebia ela já estava com o diário em mãos...
"Hoje o dia foi meio cinza. Vi as mesmas pessoas, fui aos mesmos lugares e nada do comum se moveu um passo. Creio que esta faltando emoção, correr algum risco, ou simplesmente me perder um pouco. Sou correta de mais, sempre me importo de mais, e esse "mais e mais" que me consome parece nunca ter fim. Sera que amanhã quando acordar algo enfim vai mudar ? E mais uma vez mergulhada na esperança vou dormir."
E os dias estavam correndo, as horas voando e nada acontecia. Ela sempre achava que a vida de todos era como os velhos filmes que assistia na televisão, "colorida, cheia de emoção, e a cada final do dia, um feliz para sempre". Mas a única coisa que ela não sabia era o que se passava por detrás de cada sorriso que ela via. Até que um certo dia encontrou uma senhora por acaso do destino quando estava a atravessar a rua, então essa mulher lhe disse;
Porque seu olhos estão tristes assim?
Não é nada senhora, apenas estou desanimada com a vida.
Desanimada querida?! Mas mal lhe pergunte, porque ?
Não sei se a senhora entenderia, mas é que para mim tudo sempre sai ao contrario, vivo presa nessa rotina, e nada nunca me satisfaz. Estou cansada já...
Querida, você ainda é jovem, não deixe lhe entristecer por desavenças em seu caminho, não abaixe a cabeça para o que o mundo te impõe, e muito menos se sinta culpada pelo que faz. O tempo passa para todos, não deixe chegar em minha idade e se arrepender de não ter se entregado mais. Mas agora tenho que ir...
Calma, me diz apenas seu nome então, por favor.
Sou o que você chama de reflexão. Pense mais, e depois volte a olhar com outros olhos ao seu redor, garanto que não ira se arrepender.
Então aquela senhora virou-lhe as costas e sumiu em meio a multidão, e as palavras que saíram de sua boca ecoavam na mente de Luci até o dia terminar.
" Hoje aconteceu uma coisa fora do comum. Sim, pelo menos algo de diferente tenho para contar. É que ao voltar do colégio encontrei uma senhorinha de cabelos branquinhos e bengala na mão atravessando a rua na mesma hora que eu, e ela me perguntou porque meus olhos estavam tristes. Será que eu realmente deixo transparecer o que sinto?! Mas o fato é que ela percebeu que não estava tudo certo, e me disse coisas que me fizeram pensar muito. Até na aula de inglês não consegui prestar atenção. Só sabia lembrar daquela frase " O tempo passa para todos, não deixe chegar em minha idade e se arrepender de não ter se entregado mais " . E sabe, ela realmente tinha razão. A muito tempo venho me culpando e carregando nas costas o peso do mundo, os dias passados, e deixando de viver o agora. Como eu não tinha percebido antes todo o tempo que venho perdendo por pura distração, ou falta de vontade mesmo. Mas agora eu me decidi, quero algo novo para mim. Quero me preocupar menos, rir mais, e ser mais leve. Nada de culpas inexistentes, lágrimas forçadas. Que a vida me leve aonde eu tenha que ir, e se nada mudar é porque assim é o certo e eu nunca percebi. (...) "
E pela primeira vez ao acordar ela percebeu que não era ruim ter que se levantar. Que ir a escola era a mesma coisa que buscar pelo seu futuro, e que existe mais coisas do que ela conhecia ao seu redor. E quando encontrou seu antigo amor no corredor, sorriu sem medo do depois. Ele não era mais dela, mas sem ele, ela ainda continuava ela. E percebeu que se fechar pelo mundo não ser da cor que você quer, não fará ninguém pinta-lo pra você. E ao reencontrar aquela velha senhora na rua lhe agradeceu. Se não fosse uma palavra de um desconhecido talvez ainda estaria aonde ela costumava chamar de dias cinzas.