09 outubro 2011

Da cor que você quer

Presa no tempo Luci nunca mais conseguiu deitar a cabeça em seu travesseiro ao anoitecer e simplesmente "dormir". Ela fica vagando perdida em memórias, fatos e atos ocorridos. Aos poucos, noite após noite, sente-se sufocada mas sem saber como sair. Então ela vê em um simples caderno a solução mais viável para conseguir conciliar tudo isso. Agora antes de se deitar  escreve no que chamamos de diário, mas para ela é mais que isso, é dar vida ao que somente ela conhece.

"É estranho para mim, não sei ao certo como começar ou por onde devo, mas queria que soubesse que seria incrível eu poder voltar no tempo e corrigir certos detalhes. Mas ao mesmo tempo creio que isso me ajudou a ser quem sou hoje. Irônico alguém querer os dois lados da moeda ao mesmo tempo, mas eu sou assim. Alias sinceramente preferiria mesmo nunca o ter conhecido." 

Com o passar do tempo o que parecia estranho se tornou natural, e quando menos percebia ela já estava com o diário em mãos...

"Hoje o dia foi meio cinza. Vi as mesmas pessoas, fui aos mesmos lugares e nada do comum se moveu um passo. Creio que esta faltando emoção, correr algum risco, ou simplesmente me perder um pouco. Sou correta de mais, sempre me importo de mais, e esse "mais e mais" que me consome parece nunca ter fim. Sera que amanhã quando acordar algo enfim vai mudar ? E mais uma vez mergulhada na esperança vou dormir."  
E os dias estavam correndo, as horas voando e nada acontecia. Ela sempre achava que a vida de todos era como os velhos filmes que assistia na televisão, "colorida, cheia de emoção, e a cada final do dia, um feliz para sempre". Mas a única coisa que ela não sabia era o que se passava por detrás de cada sorriso que ela via. Até que um certo dia encontrou uma senhora por acaso do destino quando estava a atravessar a rua, então essa mulher lhe disse;
Porque seu olhos estão tristes assim?
Não é nada senhora, apenas estou desanimada com a vida.
Desanimada querida?! Mas mal lhe  pergunte, porque ?
Não sei se a senhora entenderia, mas é que para mim tudo sempre sai ao contrario, vivo presa nessa rotina, e nada nunca me satisfaz. Estou cansada já...
Querida, você ainda é jovem, não deixe lhe entristecer por desavenças em seu caminho, não abaixe a cabeça para o que o mundo te impõe, e muito menos se sinta culpada pelo que faz. O tempo passa para todos, não deixe chegar em minha idade e se arrepender de não ter se entregado mais. Mas agora tenho que ir...
Calma, me diz apenas seu nome então, por favor.
Sou o que você chama de reflexão. Pense mais, e depois volte a olhar com outros olhos ao seu redor, garanto que não ira se arrepender.


Então aquela senhora virou-lhe as costas e sumiu em meio a multidão, e as palavras que saíram de sua boca ecoavam na mente de Luci até o dia terminar.

Hoje aconteceu uma coisa fora do comum. Sim, pelo menos algo de diferente tenho para contar. É que ao voltar do colégio encontrei uma senhorinha de cabelos branquinhos e bengala na mão atravessando a rua na mesma hora que eu, e ela me perguntou porque meus olhos estavam tristes. Será que eu realmente deixo transparecer o que sinto?! Mas o fato é que ela percebeu que não estava tudo certo, e me disse coisas que me fizeram pensar muito. Até na aula de inglês não consegui prestar atenção. Só sabia lembrar daquela frase " O tempo passa para todos, não deixe chegar em minha idade e se arrepender de não ter se entregado mais " . E sabe, ela realmente tinha razão. A muito tempo venho me culpando e carregando nas costas o peso do mundo, os dias passados, e deixando de viver o agora. Como eu não tinha percebido antes todo o tempo que venho perdendo por pura distração, ou falta de vontade mesmo. Mas agora eu me decidi, quero algo novo para mim. Quero me preocupar menos, rir mais, e ser mais leve. Nada de culpas inexistentes, lágrimas forçadas. Que a vida me leve aonde eu tenha que ir, e se nada mudar é porque assim é o certo e eu nunca percebi. (...) "


E pela primeira vez ao acordar ela percebeu que não era ruim ter que se levantar. Que ir a escola era a mesma coisa que buscar pelo seu futuro, e que existe mais coisas do que ela conhecia ao seu redor. E quando encontrou  seu antigo amor no corredor, sorriu sem medo do depois. Ele não era mais dela, mas sem ele, ela ainda continuava ela. E percebeu que se fechar pelo mundo não ser da cor que você quer, não fará ninguém pinta-lo pra você. E ao reencontrar aquela velha senhora na rua lhe agradeceu. Se não fosse uma palavra de um desconhecido talvez ainda estaria aonde ela costumava chamar de dias cinzas.   

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